Monday, April 22, 2013

O BANHO, UMA EXPOSIÇÃO DE PEDRO PROENÇA NA SALA DO VEADO


Entrevista de Sóniantónia a Pedro Proença a propósito de o Banho na sala do Veado





Porquê o Banho?

Saiu-me à última da hora, mas é mesmo isso. Associação de ideias. Sala do veado lembrou-me o Acteon, e o banho de Diana. É um statment de quem quer fazer uma lavagem e pôr a vida a limpo. Há aqui um regresso, criticável, se quiseres, aos desenhos que fazia no final dos anos 80 e inícios dos anos 90. Instalações com coisas enormes. Quiz fazer desenhos dos bons, numa espécie de súmula, principalmente o desenho de 10 metros. E sobretudo quiz fazer uma coisa que se adequasse à sala, como um templo. É uma resposta de amigo, por exemplo, à recente exposição do Rui Chafes. Aqui também há uma meditação sobre a mortalidade, mas a mortalidade para mim faz parte do lado fremente da vida, sem sublimações, algo que condimenta e intensifica os actos. 


A arte tem alguma coisa a ver com esse apetite?

Emagreci bastante o último ano. Esta exposição abriu-me o apetite. Quando pinto ou desenho, que são actividades tradicionais, o apetite aumenta extraordináriamente. Não é uma constatação teórica, mas uma experiência por vezes dolorosa. Acho que é uma coisa que acontece em quem pinta muito. Fome, anseadade. Há o mito artistico do Picasso, esse machão machista, que quando escrevia falava muito de comida, sexo, cores. Julgo que tem a ver com a velocidade. As "ganas" estão presentes na história da pintura, desde queo esta se tornou de mais rápida execução, com o Ticiano, o Tintoretto, o Veronese. Não sei se é uma coisa machista, esta aceleração do metabolismo vindo da pintura. Acho que as mulheres que pintam sentem o mesmo.



Também lá tens pendurados uns panos com um ar construtivista


São coisas "infraístas", que foi uma teoria em que parti do Malevitch e dos diagramas tantricos para justificar desenhos, pinturas e esculturas com um ar abstracto, coisas que faço desde que comecei a pintar. Fiz uma exposição infraísta na Madeira aqui há uns anos, mais conscientemente infraísta. Chamava-se naughty abstractions ou algo assim. São imagens alegres, lúdicas, libidinosas, e que se articulam com a natureza como canalizadoras de fluxos de ewnergias. Incluem a "angst" como resposta a esta, mas dão largas a outras emoções de uma forma muito espontânea. É como se a experiência do extase fosse algo muito fácil. Acho que os grandes temas da abstracção estão ímplicitos e transformados nelas. Porém estes panos, especificamente, são peças que incluem coisas muito autobiográficas, como se uma vida secreta estivesse subjacente a esta displicência. Há uma vontade de ir para a praia, de se deitar em lençois com cores quentes, de mergulhar. Mas no final parecem coisas de um altar, algo sagradas, acho eu. A autobiografia é perfeitamente conciliável com aquela palavra pretenciosa que supõe a abstracção, que é o "absoluto".



E também tens uns livros com Metamanifestos...

A minha ideia era imprimi-los em grande e encher uma parede. As paredes desta sala são muito difíceis de expor porque são duras e repulsivas. Optei por dividir os metamanifestos em dois livros, como se fossem leituras  pseudo-religiosas que acompanham o ambiente da exposição. São metamorfoses de manifestos que escrevi entre 83 e 88, mas a maioria são textos  de 84 e 86, os tais manifestos homeostéticos. Não tinha consciência de ter escrito tantos manifestos na altura. Eu sou um maníaco de manifestos, que é uma forma de escrita propagandistica em que há uma espécie de paródia dos 10 mandamentos misturados com um tom apocaliptico e messianico. Os metamanifestos são uma forma muito livre, quase romanesca, desconversante que dispara em várias direcções, por vezes contraditórias. São respostas à crise dos finais dos anos 70 e inícios dos 80, reactualizados nesta crise maior em que vivemos. Escrevi-os há dois anos, de jacto. E paginei-os com fontes exclusivamente da minha autoria, porque andei uma série de anos a fazer fontes como um maluquinho. Aquilo já era uma doença. Acabam por ter um lado político e explicitam a pulsão do movimento homeostético, que no fundo é aquilo que sobrou do lado espontaneo do 25 de Abril, isto é, uma vontade de mais liberdade, de estar embriegado, nem que seja de clichês, de poder dizer disparates, de desconversar com os amigos, de rir despejadamente, sem fardas. Um grande desejo de fazer coisas maiores que nós, também com os outros. Mas ao mesmo tempo uma distância critíca quanto às forças da "legitimação", mesmo quando essa legitimação se auto-proclama "revolucionária".




Já agora, por curiosidade, os homeostéticos não desprezavam as raparigas?


Isso é um disparate. Nós eramos um grupo de amigos do mesmo ano nas Belas-Artes a que se juntou o Xana. No Xana há um divertido discurso transexualizante. Na altura havia um grupo de mulheres muito fortes uns anos à frente, que fizeram a primeira exposição de grupo importante nos anos 80, organizada pela Sílvia Chicó, os "Talentos Emergentes".  Alguns de nós tiveram namoradas que pintavam, mas havia situações conflituosas e os trabalhos delas ainda eram muito verdes. Além de que metade do tempo o "movimento homeostético" esteve moribundo. Em 1986 há uma estranha e rápida ressurreição. As vidas de cada um dos homeostéticos é que falam por eles. Essa ideia provoca-me uma extrema irritação porque cresci num meio feminista e estou e sempre estive afectivamente e na prática diária desse lado, sem clichés.



Andaste entretanto a fazer "critica de arte", porque é que te deu para isso?


Andei a escrever sobre exposições e gostaria de escrever mais porque sinto que o olhar do artista é mais interessado e concreto do que o dos tipos que têm que escrever "ene" caracteres para o diário ou o semanário e vivem disso e têm contas a ajustar e interesses a defender.  E também porque falta um grande feed-back aos artistas que, narcisistas ou não, acabam sempre por se sentirem carentes e incompreendidos, como toda a gente, se calhar, mas sentem-no agudamente. É uma curiosidade que me enriquece e que espero que produza uma vontade de fazer coisas mais nesses artistas, porque neste silêncio tão tradicionalmente português a não recepção, pior do que a censura, funciona como uma asfixia.

Sunday, October 14, 2012

FLAGRANTE DELEITE ROSEMARIE TROCKEL


É a nossa primeira crítica — saíu-nos mal, mas é melhor que nada. A foto em cima é da Susanne Themlitz (muito obrigado Susanne),  que poderia dizer muito mais e bem melhor que nós — queremos dizer que preferiríamos uma abordagem mais assim, vista de baixo,  rente ao chão, mais de artista e com mais atenção, mas dormimos mal, acordamos abstractas. E aqui vai ela


Já não há origens. Nenhumas.             Nem se pode saber se.
Se foram as origens                         quaisqueres que sejam.

E não há nenhuma razão para que nasçam
            as origens                        Nenhuma fé
            sequer

ídolo de Amorgos!

Parece esquisito  começar a abordar a exposição da senhora Trockel citando um poeta italiano, homem, que se chama Emilio Villa e que põe o ponto nos is da questão das origens — já lá vai muito tempo — mas andávamos à procura de um outro poema dele sobre aranhas, ou coisas aracnídeas, porque Trockel habituou-nos a coisas filandeiras (ai Velásquez!) , e lá buscamos e encontrámos esta tradução nossa (feita a partir de um pseudo-latim? ou foi outra lingua? já não nos lembramos — )

a gélida passagem
dos Fundamentos das Coisas, alcançada
a divina simulação, ventosa
e a Teia dos sussurrantes
milénios, indefenida se estende
elipse da aranha que joga
e nesse momento o infinito
Perimetro, o grande Desdobramento
da Porcaria, jaula das Mutações,
começa a elevar-se

Villa foi um poeta radical e grande divulgador das então vanguardas italianas, sobretudo Burri e Fontana, artistas que de algum modo ecoam, quer se queira quer não ao longo deste corropio de coisas fiadas, desconfiadas e imediatamente sexualizadas, do encarar o suporte tradicional da pintura, a tela, essencialmente como tecido, a fender, a exibir o reverso, a mostrá-lo como saco ou colagem.

Os antigos tinham, assim que nos lembremos, alguns mitos sobre os fios: o das Parcas,  o de Aracné e o de Penélope. As Parcas destribuem os destinos, fiam-nos. Aracné, uma adolescente bordadeira, entrou em competição com Atena, e acabou por se enforcar; Penélope é a hábil senhora da sua obra, uma especialista em adiamentos e esperas, os aspectos complementares do tempo narrativo. O escritor catalãoVilla Matas recentemente escreveu uma teoria da narrativa considerando a espera o assunto principal da arte romanesca. Porém o adiamento, ou o inadiável que é a morte, é algo que se produz simultaneamente — a narradora das mil e uma noites — e não é por acaso que também é uma mulher. 

Nesta exposição de Trockel parecemos passar do trauma post-menopausa, que lhe foi duro assunto, para os desafios do inadiável (e a hipotética evasão do inadiável pela arte), entre a vontade de exibir uma obra forte e a re-encenação dos seus fantasmas, das influências, admirações. Inconformismo, serenidade, ângustia, escárnio? Trokel faz parte da corrente menipeica, a que não é estranha a sua inserção na carnavalesca Colónia, e a filiação nessa suposta tradição anti-artistica que foi o Dadaísmo — ainda que no seu caso pensemos em Schwitterz, Hanna Hoch e toda a temática libinal de Duchamp, desde a noiva à sua última obra.  O que supõe um discurso desconversante, assuntos marotos, uma vontade prazenteira de contradizer clichés e desfrutar a vida de corpo inteiro até ao fim. E depois teve, como quase todos os artistas alemães, o peso politizador do chamã fake que foi Beuys, incontornável com o seu chapéu suádo, e claro está Richter e Polke que marcaram, quer se queira quer não os artistas mais irreverentes da geração de Trokel: Walter Dahn, Dokoupil, Oehlen e Kippenberg.

Trokel ficou sobretudo conhecida como "a" artista feminista europeia dos anos 80 por causa dos seus tricots, que parodiavam  a cultura das revistas femeninas de tricot, corte e costura, através de uma pseudo-politização. Conseguiu assim tornar-se uma artista icónica, e floresceram, pouco depois, aos montes, as artistas que se afirmavam como feministas por causa de alguma particularidade da cultura de lazer femenino, mais bordado menos bordado.

A exposição é constituída, salvo pequeníssimas excepções, por obras recentes — duas salas focadas em obras diversas, subretudo tridimensionais; um corredor com a maioria das colagens e duas salas finais com obras mais "pictóricas" ou de grande escala. É claro que podiamos falar demoradamente sobre peças específicas — porque elas o pedem. Como sempre. Também sabemos que a sua obra é ("apenas"?) mais uma das tais que andam a contestar os limites canónicos da arte... a prática oficial da arte parte desse pressuposto. É isso que o ensinam as escolas de arte, os museus, as revistas, que o proclamam os críticos e que mais agrada aos grandes coleccionadores. A juvenilização da cultura e a mercantilização da imaturidade (ó Gombrowicsz!), é o apanágio da nossa época, e a imagem que Trokel e os seus legitimadores querem deixar de si é a da rejeição do "estilo tardio" — pelo menos é o que vem elaboradamente reclamado num dos textos que acompanha a exposição. Forever Young? Desconfio desta polémica, e não conseguimos deixar de sentir nesta exposição as caracteristas dos estilos tardios, que são normalmente "i-moralistas", com maestria, e caracterizados por maior liberdade e desleixe. Estamos a pensar em casos como Ticiano, Rembrandt, Goya, Picasso, etc. É um estilo que mistura o "já me estou nas tintas" com a inevitável revisitação e re-montagem de temas antigos, assim como um aprofundamento das "cenas primitivas" e da auto-auto-retratação.

Por exemplo: as colagens mostram diálogos com a história de arte, sobretudo do século XX: Rainer, Bacon, Gilbet & George, Polke, Fontana, etc. Os organizadores da exposição, não sei se com a cumplicidade de Trockel (acho que ela não se preocupou muito com esta "passagem" pela falida Lisboa, tal como, a contar pelas pessoas que estavam na inauguração, o art world português não se parece interessar muito por esta artista) insistiram sobre a citação/apropriação da pintura de Courbet, a Origem do Mundo, um dos statements mais fortes da arte, pela combinação de duas ideias, a de cosmogonia com a porneia, neste caso o sexo femenino em quase close-up. A associação deste corpo ao artista Raymond Petitbon não nos suscitaria reflexões por aí além, como vem num dos textos, porque nos parece apenas uma piada divertida (e porque não) — já a da aranha (é de Trockel a imagem, ou é uma fotomontagem de outro?) com o fundo manchado (re-des-mentruado?) parece pedir uma reflexão que corrija as reflexões de Brigid Doherty que projecta as suas fantasias sexuais parideiras ou masturbatórias, em vez de olhar para a obra de R.T. , que tantas vezes usou aranhas, incluindo o famoso caso do efeito do uso de diferentes drogas nas aranhas, produzindo padrões bem distintos. É certo que o caracter repelente da aranha aqui associado à sexualidade femenina é um dado adquirido pela cultura popular —  trata-se de enunciar uma relação forte entre o nascimento, a morte, a sexualidade, a criação de teias, padrões, fios que são ao mesmo tempo armadilhas, vestes, filiações, etc. No fundo cada génese implica um luto, e o luto é antecipada consciência de um futuro desaparecimento. Mas será? As colagens sobre a morte da mãe e os seus vestígios de roupa, como se uma memória e energia ainda as habitasse parecem prolongar essa cosmogonia-tanatologia. Mas devemos desconfiar de ideias tão simples. Os idolos cicládicos como o de Amorgos, de que Villa fala a propósito das (não)origens, são a representação neolitica, esquemática e obcessiva, da mulher.

Não sabemos muito bem o que Rosemarie quiz dizer, questionar, ironizar ou qualquer coisa parecida com a maioria dos seus trabalhos. Os artistas estão a maioria das vezes mais preocupados com o fabrico, as ramificações, o natural jogo entre o que os obceca e o que daí pode saír, do que em impôr um sentido. A ambiguidade e a indeterminação existe misturada com "alguma" intencionalidade, mas são os efeitos

Porém saímos da exposição muito meditativas, mais atentas, mais interessadas nos materiais que nos rodeiam, e a pedir também que Trockel se livre dos acrílicos que edstão aparafusados às caixas das colagens, porque as coisas pedem um olhar mais vivo, sem patines. No grande Desdobramento da Porcaria a jaula das Mutações começa a elevar-se.

Friday, October 12, 2012

ARREBATADORAMENTE CRÍTICAS






para a Ana Vidigal, com admiração

Confessamos que não sabemos onde começar, mas ontem à noite deitámo-nos com vontade de fazer da nossa vida epistolar amorosa uma espécie de crítica de arte, vade retro, cruzes canhoto — ou pelo menos algo parecido com crítica de arte, porque queremos tagarelar sobre as coisas, sobretudo das artistas, que aí andam, à espera que alguém diga pelo menos o mínimo sobre elas, porque tagarelar sobre arte pode ser algo apaixonante, emotivo, e que dê mesmo para desatar a rir de euforia ou chorar de uma comoção estupida que se fez ao piso, que nos caíu em cima como uma bebedeira. Escrever sobre arte é para nós uma tarefa artística, não nos vamos armar em inocentes — a ideia é oportunista, torna-nos mais importantes e mais completas e mais necessárias e mais giras aos olhos das outras. Quem é que não o quer? Mas dá trabalho! Normalmente ficamos aborrecidíssimas quando lemos sobre arte, mesmo sendo o caso de mulheres que temos por dignas e enxutas e super interessantes. Eu sei que o nosso discurso, que é essencialmente amoroso, como o do Barthes (lembram-se?), vos vai parecer ridículo, porque já dizia o Campos, a desculpar-se, que as cartas de amor são ridículas, mas mais ridícula é a escrita sobre o que vai em arte que teme exibir precisamente o que a arte pede: aproximação, paixão, vontade vulcanica de entender, e outras coisas do género.

A história mais antiga da crítica regista os casos exemplares de Diderot, Baudelaire e Wilde, que eram todos apaixonados e sulfúricos, como exemplos onde a escrita sobre arte corresponde a uma pulsão ou a uma necessidade erótica. É o que garante a intensidade. Se quiserem chamem-lhe subjectividade. É uma excitação que não te larga a cabeça enquanto não escarrapachas o que sentiste sobre determinadas obras de arte no papel. Também há a os inconvenientes da incompreensão. Não conhecemos nenhum artista que não vista a camisola da incompreensão, mesmo os mais apaparicados e celebrados e galardoados. Escava-se um bocadinho nas conversas e lá vem a incompreensão toda aperaltada com meia dúzia de rancores a compor o ramalhete.

Estimamos que as ideias que nos surgem a propósito das obras de arte não nos chegam pré-fabricadas do alto do infinito - são compostas aos poucos, através de hesitações, enervamentos, momentos daqueles em que parece que um vazio se instala quando puxamos pela cabeça. E depois o estilo também forma as opiniões e as ideias. Outras vezes, a meio da escrita, passamos a ver a coisa de outra maneira — se calhar mais interessante, se calhar mais pedante e equívoca. Achamos importante registar os estados vagos, indecisos e decisórios das nossas reflexões, assim como as convulsões que no corpo acompanham esses estados. É tudo muito aproximativo, como um engate. È claro que há dias em que emburrecemos, e que só nos saiem coisas parvas, e que as nossas boas intenções ficaram no bidé.

Há muitas desconfianças sobre a maneira como se vê a arte. A arte no atelier não é a mesma coisa que a arte na galeria, que a arte na feira, que a arte no museu ou que a arte no livro, ou na revista, com acompanhamento de textos laudatórios ou críticas malévolas de arranhar de rancor a mesa. Há muitas obras de arte que são feitas para belos sítios solenes - ou são feitas mesmo nesses sítios. Mas o que nós gostamos é da arte onde ela parece menos eficaz, mais coitadinha, com menos espaço para respirar, que é no momento em que está a ser feita, no chão, de cócoras, em cima da mesa, na fábrica. É a intímidade, o buzílis, seja delicado ou javardo. A arte nas exposições ou nos museus, assim a seco, parece-nos mais fria, mais puta, mais apta a ser vendida ou subir nas cotações, legitimada não se sabe muito bem para quê, e por aí adiante. É claro que muitas exposições são como livros, compostas para ser lidas e vistas assim. A retórica do expôr faz parte da raison d'être, não acham? A montagem é cada vez mais a prova de uma sensibilidade, mas também de uma des-intimidade e dissimulação. Acho que devemos falar sobre isso e perguntar, com toda a candura de uma curiosidade infantil: "ò menina, porque é que montaste a exposição assim"?

Quando vamos as exposições quantas vezes não caímos numa preplexidade súbita, num baralhamento, a não perceber patavina... E depois perguntamos, explica-me lá um bocadinho a ver se a gente entende alguma coisa — e ficamos maravilhadas, a "adorar", como dizem as adolescentes e as tias, a perceber a força oculta, a pequena história, a confissão brejeira, a divertida e pomposa teoria, e outras coisas parecidas. Se calhar as outras pessoas também o deviam saber para não continuarem na indiferença ou andarem a dizer coisas despropositadas. Dá-nos uma especial satisfação dar conta destas clandestinidades, das trabalheiras, dos modos de confecionar as obras, dos fait-divers autobiográficos, porque isto, aquilo e aqueloutro, não acham?

Prometo que a nossa aproximação vai tentar ser assim, mais natural, mais sensível, sem descurar ideias género "profundas" ou incorrer em embasbacadas tentativas de poetisar... qual é o mal?

Recapitulemos então porque é que queremos ser criticas-artistas-escritoras

a) porque há um vazio imenso, olá se há, sobre a arte que se faz por cá, aqui, ainda por cima com esta crise merdosa em cima, tipo núvem escura cada vez mais densa — e desse vazio nasce um terrível silêncio que é a pior das censuras, o mais candido fascismo bem portuguesinho. E já que estamos numa de chamar as coisas pelos nomes, achamos que pactuar com esse silêncio, ficar caladinhas, é legitimar o estado das coisas. Uma passividade patética, uma panhonhisse que não interessa ao menino Jesus. Esse silêncio é essencialmente afectivo e tem um efeito de degradação do entusiasmo dos artistas. Eles (isto é, nós) precisam que se diga mesmo qualquer coisinha, mesmo que seja uma frase querida, uma ou duas linhas com ar enigmático. Os artistas precisam de uma comoção sentida, de admiração — é quase tão importante como comer.

b) porque escrever sobre o que vai aí, no mundo arte, para além das tricas, que também têm às vezes (mas nem sempre!) o seu interesse, deveria ser um acto essêncialmente prazenteiro, divertido, um exercício de intiligência ao qual não falte sensibilidade — podemos parecer líricas e ingénuas ao dizer isto, mas garanto-vos que é o que vamos fazer, e que não nos vão faltar manhas para levar a bom porto este urgentíssimo projecto.

Sóniantónia e Sandralexandra

Thursday, October 11, 2012



segunda

A ausência de ti alimenta-me, é um "sem" que surge puro e me amolece, a mim que sou tão trinca-espinhas, nesta minha devoção louca ao altar da estética! Sinto-me adiada, culpada de não fazer mais, displicente, sufocada pelos momentos de inércia. Vejo que tenho alguma técnica, e que sou geitosinha nas minhas obras. Creio que as cartas que te mando podem ser um remédio, um elixir que me leve à fama. Por mim própria dir-te-ia Adeus, mas há alguma violência e tabu em ser sentimentalona. Ai, isto de escrever assim depressa e curto cansa!


Cartas de Amor de Sandralexandra
ou do Amor como Obra de Arte


primeira

Piedade vos peço senhora minha neste amor na masmorra da arte embora os atavios não me façam assim pró tanto padecer horrores porque só o bem possível, e o impossível (c'a granda confusão!) está em vós que sois tão conceptual e despachada em tudo. Devo ser para ti mágoas e pouco mais, mas só quero que me ajudes a ir ao encontro das atitudes mais vanguardistas, e saber separar o necessáriamente oficial das vergonhas contestatárias com sua atitude igualmente desmodada e underground, pois a prática da arte é um duro cativeiro, uma longa e insuportável insónia em que se geme de ângustia e prazer.

Tuesday, May 18, 2010

recordações de um Mestre


Já lá vão muitos meses desde que morreu o M. S. Lourenço - foi no agosto e ele morreu porque o soube - agora deve estar num paraíso de lógica e de tradutores - os Parnasos rebaixam-se até nos encontrarem - já não precisamos de escadas rolantes.
mas o M. S. deixou obra, e pô-la num só volume antes de morrer. A seguir morreu o Benard da Costa. Não sei porquê mas acho que o Bénard da Costa faz parte da obra do M.S., é o cinema inclinando-se até que a musica e os axiomas o despovoem, e então percebe-se que por detrás da imagem de um barco a deslizar em canaviais há o sussurro malicioso da flauta que Midas toca às escondidas enquanto uma cóboia empunha com garra um pistolão

conhecemos o M.S. indirectamente - por exemplo, na tradução do fragmento inicial do Finnegans Wake (há quanto tempo não lhe lemos a traduçãozinha) - o M.S. ficou como uma promessa de uma obra poética que depois não lhe apeteceu - há uma magnifica entrevista on-line (com o Miguel Tamen em http://www.fl.ul.pt/pessoais/mslourenco/entrevista_tamen_MSL.pdf) que é um romance em miniatura - e que é uma lição do que nos fazem os rigores sobre a consciência - os rigores amarguram os seus cultores - e a excelência, como prática de uma cultura que só se pode elevar com "o que interessa" e é destruida pela banalidade crescente

Portugal é o lugar onde os portugueses se exilam e se asilam

encontrado num banco de jardim antigamente



Il y a la mer
et il y a la mer
il y a y aller
et il y a Voltaire

ralações

Uma Relação é uma Ralação é uma Revelação é uma Revolução (fragmento muito preparatório)

O APOCALIPSE

"segundo"

(SANDRALEXANDRA & SONIANTÓNIA)



  1. Ralações de S.S. servidas de bandeja a si mesmas --- escravas de seus significantes muito flutuantes ---- palavras ditadas por mensageiras que se fizeram passar em nossas moradas - tão carnais quanto espirituais
  2. Aqui passamos a limpo o sangue das intuições reciprocas - o que a nossos olhos se veio: miragens, factos, fantasias
  3. Sortudos os que põe a vista neste tapete de palavras afávelmente proféticas e se deitam nele para sensualizar - porque o tempo (a grã oportunidade) é o que nos vem ao corpo
  4. S. S. às tribos de dissimuladores honestos - que Kavod e Kairos vos acompanhem, como novelo insidioso das conexões Temporais - os humilissimos actores que quais serpentes conectam as coisas e despontam para os Sete Sopros.

Tuesday, April 14, 2009




O que não se pronuncia ou prediz
Designa-se calidamente


Tendíamos não para um
Mesmo, mas para o parecido
Com o mesmo.


São os caminhos
Que me percorrem
Uma antecipação
De factos
A testamentar?



------------------------------------------------------------o inapagável inaugural...........
----------------------------a suspensão intermitente das trindades..............



Desbocada comunidade de figuras.

O mundo
É o nosso
Corpo
Penetrante
Penetrável
Em devir.



Mas o ardor sobrevive
Quer nos obstáculos
Quer na exaustão
Que consome
Quer na plenitude
Da consciência/carne.

A afeição
Como um motor que incendeia
A variedade das
Dedicações/declinações
Num enorme parênteses
Confessa-se o lado também
Oficinal, gímnico & pictural
Do amor

O masculino miscigena-se com o feminino
Sem se androgenizar
Porque não há masculino nem feminino
Absoluto
Mas pólos que sugerem
Escalas de penetrante/penetrável

Um domínio efusivamente carnal
Não só de pura carne
Mas de adjacente florida matéria



O princípio abutre de côncavas primaveras

Por vezes procura-se a malícia da quietude
Para contrabalançar o ruído primaveril do ser.
Olhos não pagam olhos
Nem dentes dentes:
Não há contrapartidas
De simpatia ou antipatia –
O conhecimento é o que compensa
A ausência
De contrapartidas
Efectivas/afectivas
Embora não nos complete
Quanto ao que falta


A familiaridade
Indiferenta-nos
E faz polir o espelho
De desistidas evasões






Somos maus retratistas
E desastrados na reprodução
Da verdade
Mas epidérmicos imitadores
Porquenos falta a representação
Mas temos antigos dons animais:
Mimetismos.


A reciprocidade das forças
É assimétrica e insuficiente: e o eros
Orbitrante reproduz uma música
Que se desvia das esferas


O amado finge ignorar o erro
Que lhe subjaz:
O olhar não erra,
O entendimento é imperfeito
E o amor perfeita errância




O dissimulacro é a ordem natural do semelhante
Que é a transformação viável e viajante
De inumeráveis semelhanças
Mortas e vivas


É a consciência
Dos dissimulacros que
Torna as casas
Mais
Transparentes
&
Comestíveis

Renunciar finitamente à suspensão
Prudente dos juízos


O rio que a enlaça como uma coleira


As jóias pitagorizam o corpo
Como se uma geometria jucunda
Se apoderasse do efeito epidérmico

São os centros que procuram
Os corpos: é através destes que se geram
Os fluxos de atração
E as redes de intensidade

O que atrai tem dentes devorantes:
As formas mastigam as formas
E os corpos são a aderência
Às íngremes batalhas
Das formas

A elipse da fidelidade

A infidelidade é o fruto
Da convicção sublime
De que uma teoria pode suportar o mundo
Com todas as manhosas certezinhas adjacentes
É o nosso quintal
Que se melancoliza
Porque se fez muralha
De si mesmo
E não
Horto selvagem


A faca deseja o tórrido


Somos tão insuficientes
Quanto poderosos:
Os deuses só existem relacionalmente
Numa interdependência de quem
Neles deposita forças:
Para os deuses
Mesmo os omnipotentes,
Somos a esperança da sua sobrevivência

Uma vigorosa repulsão atraente
É do movimento de atracção
Que nasce o contra-movimento de repulsão.

as errâncias




...mas também havia convicção
De que na experiência confusa
Confluía um bem não testamentável...

Uma cosmogonia é o estado nascente dos corpos
Mesmo agora

Um princípio é sempre
Uma malícia:
No estado inexperiente
De dito puro enunciado.


Escarlate é nome de apetite.
Não é verde, mas é pastável.


A meditação animaliza-nos
Sem cálculos?

{e da consciência provém o êxtase}
(e do êxtase todalas cousas & causas)


Transmuda-se o Hermafroditismo
Num Amor mais Transformável.

Polissexuamo-nos no apelo a demiurgias
Mais altas
{que também são mais baixas}



O apelo dos corpos pelos corpos é menos
O apelo ilusório a uma unidade original:
É antes uma chamada à ampliação
E à multiplicação.






A memória é a passagem de testemunhos
De fulgor vivido ou adivinhado


O Logos é o sangue
Como escarlatíssima côr
(vejam-se os Beatos de Liebana)
Não côr de babilónica
Rameira
Mas côr que
Filosofalmente
Animaliza
Mais
As consciências:
Figuras materializantes.

Repasto de quem
Quer e não quer regressar
À nostalgia & monotonia divina
Do Lar.




Essa Nostalgia era
Um Nome
Desabrochando
Em cor
De
Sangue



E há outros humanos
Que percorrem floridos como
Presença e carência de algo
Que se entrança: planta ou eros.


Ponho-me nas posições
Erradas e sei que um
Símbolo não é a convergência
Para sangue
Mas a metamorfose de um corpo
Inábil
Para um corpo forte
E dançante


É a inclinação do Sol
Como parte radiante da carne
Que nos faz radiar muito
A partir de dentro
Embora esse dentro
Seja um enorme fora.

E
Mesmo
Para além
Da vontade
Nas
Fecundas
Oportunidades
Do
Famigerado
Acaso
E suas
Caças
Astrológicas.

TERCEIRO ESTRADO DE ESPÍRITO

{penisúltimo}
Nada se Última
Senão
Retoricamente
As palavras antecedem-se
A si mesmas numa espé-
Cie de palramento que
Continua & continua
Apesar dos silêncios
Aparentes que
Dão um travo
De impotência


Chegar fenixológicamente
Às coisas que não
Sabem parar
Cinza de cinza
Que é
Fogo de fogo


Muitas aves entram
Reptilineamente
Nas razões geométricas
Despimo-nos porque nos
Apetece mergulhar
Em desconcertantes
Origens maculantes



A melancolia
É lavada no
Mergulho que
Excita para novas
Melancolias




O amor é a vontade ígnea de ampliação

O ódio é o ímpeto de uma diminuição alheia

A alvura física do escarlate.

O corpo suspeita de um
Equívoco subjacente
Mas o mal (o sentimento
Físico de remorso)
É uma contrapartida
Da euforia
E não há
Euforia que
Não habite
Na Carne.

AS ERRÂNCIAS
DO MAL CANTANTE

Ou de como a Hamartia
Se converte
Amorosamente
Em Sophia
Como uma
Serpente que se enrosca
Nos astutos
Vazios


{Comentários de Sóniantónia e Sandralexandra}

As figuras do mundo
adoçam-nos
aos poucos.

A caridade é a dádiva sob o
{arrepiante}
disfarce da graciosidade.

O pensamento é o legado inconveniente
do que convence em
secreta conversa.


E nós somos desviante leituras,
assombrados comentários de quem narra
transversalmente.

O ser dilacera-se como múltiplo sexual.

Era a caligrafia como uma exercitação do desejo para lá do que se enuncia.

A volúpia descentra
os centros mais
íntimos do mundo.

A nudez entranha-se nos movimentos e nos panejamentos.

Um lagar muito inclinado de Alegorias.
...o pouco de fogo que nos queima no fundo da brancura...

Ela repartira o seu corpo pelo corpo mais corpóreo e humedecido da pobreza.

Somos testamentos rasgados pelas facas das escolias alheias.

Apresentamo-nos como autores desavindos que mascaram a Obra.

O sol sob o qual me apascento tornou-se o âmago desperto de uma incontornável inocência. Ou de uma vindoura incoerência?

Comíamos sopas aquecidas pelas Brasas da Nostalgia.

Somos mais inexperientes em dar respostas: com desalinhavado acerto ou alinhavado desacerto.

O amor possui-nos como um conhecimento que se retrai.




As plantas abalaram das suas moradias altas e esfíngicas e escaparam-se para uma errância mais espaçosa.

O bafo dos testamentos amansa mas não consola.

Os herdeiros fazem muito barulho nos futuros.

A atracção trai os atraídos.

Os homens que nos hão-de escutar fingem-se nas entrelinhas como um ouvido que oscula soberbos desejos.

Os iluminadores tornam-se ao iluminar iluminuras os iluminados.

Tudo se obscurece ou ilumina sem ter que se equivaler.

Os mapas crescem debaixo de nós como ervas alucinatórias mesmo quando moramos na desolação.

Uma vontade saudável de ser assediado.

Uma grande fome de comer
um pouco de tudo
e outras sinceridades.

A nudez da testamentária era uma marginália
que percorria
serpentinamente
os redutos do texto.

A mama maravilhosa da mãe de Deus
abria o apetite.

O fragmentário impunha-se como um desejo de continuar a sublinhar.

O amor restituía-nos o nosso corpo com uma plenitude de que o puro Logos é incapaz.

Os bicos das mamas olham-nos e geometrizam-nos no modo como desarrumamos e arrumamos as ânsias de mais mundo.

Aniquilo-me de amor ao saciar-me com o que me quotidiana microscópicamente.

O que mais desperta cega por demais.

Os nossos quotidianos entreenjaulam-se numa espécie de desajustada ajuda.

A alegria inextinguível das iguarias.

As especiarias com que
cozinhamos o Vazio – o
êxtase como um excesso
perfumado
e que se emancipa
da cauda maldita
dos perfumes

Os objectos estabelecem-se
Como actores que parodiam
O ar metafísico da sua
Causalidade:
A comunidade rasteja
Por debaixo dos objectos
E encena uma dúzia
De razões partilháveis.
Uma Etapa que
Nunca acaba
E que aqui
Partilhamos

Um certo receio no re-creio.




As primaveras desconfiam
Das suas intensidades
E do seu excesso de
Beleza.
Apolo mexe-se
Mas tornou-se um
Deus demasiado grande
À roda do qual gravitamos :
Ao olhar intenso de Apolo
Vamos preferir angustias
Nocrturnas: como um
Remédio
Xaroposo.

Prefaciamos intersticial-
Mente: sabemos que
Os títulos são o que
Sobra como emblema por
Polir.



A Manhã já se havia
Partido antes do
Amado partir com a
Sua altivez de cedro
Bíblico.

Thursday, December 04, 2008


GOD LOVES TO WATCH GIRLS IN BIKINIS

este voyeurismo de Deus justifica o mundo bem mais do que o tedioso livro de Mallarmé

é claro que é uma paródia do crítico de arte Greenberg - o bikini enobrece o corpo, explica o pudor derivado da auto-consciência e é mais sexy e colorido que a nudez

o que diz picassa


a arte é uma pinóquia que dá pinocadas de papel (paula picassa)